Tiro as roupas, entro no box, ligo o chuveiro no mais quente, abaixo a
cabeça. Sinto a transição da agua gelada para a muito quente, do jeito que você
gosta. Uma música toca ao fundo. O sabonete cai no chão, prefiro ficar por ali
mesmo, acocado, de um jeito que a água bata em minha nuca e escorra por todo
meu corpo. Assisto o ralo levar a água atentamente. Começo a pensar se ainda se
lembra de mim. Sim. Se ainda me ama. Não. Se quer jogar comigo. Talvez.
Fecho os olhos me lembrando de uma cena que não vivi. Você e seus novos
amigos em uma mesa de bar. Começa a falar de seus antigos relacionamentos.
Conta como foi cada um? Abro um dos olhos. Dá detalhes? Abro o outro. Como eles
acabaram? Respiro.
Eu sei as respostas. Olho para o lado, pego o shampoo roxo. E seus
amigos, o que falam quando termina de falar? Ta tudo bem agora. Esse cara era
um babaca. Ele nunca te mereceu. Ponho shampoo na mão. Consigo ouvir eles
pensando: "Hum a Olhinhos bonitos está solteira". Começo a esfregar o
shampoo, primeiro devagar. Quero estar na mesa, quero perguntar pra você se já
contou pra esses seus novos amigos que eles não te conhecem como eu. Depois
rápido. Ninguém conhece. Enxáguo a cabeça.
Volto a encarar o ralo. Saudade.
Fecho o registro. Quem sabe um dia eu volte a chorar com você.
Enquanto isso, o ralo é um bom amigo.


