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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Sexto setido


Régis acorda as 6:30 da manhã, ele dorme mal já faz muito tempo. Olha pela janela do quarto, o dia está cinzento como sempre. Esse tempo nunca ajuda. Se senta na lateral da cama, se sentindo acorrentado a ela. Toma os seus remédios matinais. "Não fazem mais efeito", ele pensa. Se levanta vagarosamente enquanto passa a mão na cara, barba comprida já faz dias. Não conseguia se lembrar da última vez que tinha ficado verdadeiramente feliz, o máximo que chegava era uma puxada de bochecha aqui ou ali, que não chegava a ser um sorriso.
Olha para seu lado, sua esposa está no outro lado da cama, de costas para ele, abraçada no travesseiro. "Deixe-a dormir, hoje deve ser seu dia de folga" ele reflete. Se veste e então se dirige para a cozinha, também sem pressa. Então consegue escutar passos na escada, olha para trás e reconhece seu filho. Arthur, 6 anos, tinha olhos claros, como a mãe, os cabelos castanhos, uma cara redonda, apesar de ser muito magro.
O menino fala, ainda sonolento:
"Papai, você já vai sair de novo? Eu estou com saudade"
"O papai precisa ir filho, você ficará bem com a sua mãe"
"Ela também sente saudade. Ela me diz sempre"
 Régis então dá um beijo na cabeça do seu pequeno filho e diz após um longo suspiro:
"O papai tem que voar filho"
"Como é papai? Voar?"
"Um dia você saberá filho"
Então eles se abraçam, o pequeno Arthur se dirige de volta para a cama. Régis fita seu filho subindo as escadas. "Como estava crescido, quando foi que ele ficou parecendo um homenzinho?".
Olhando para a cozinha, tão limpa, arrumada. A pia era de granito negro, ele se lembra quando escolheu-a para a cozinha. A pia contrastava com sua pele, excessivamente branca. Ele então percebe que não está com fome, nem sede. Olha para o relógio da cozinha, 7:00 horas. É hora de sair.
Mesmo assim, ele passa no quarto de Vânia, sua esposa, lhe dá um beijo na bochecha que é retribuído com um gemido grave e sonolento. Logo depois passa no quarto de Arthur e dá o mesmo beijo que dera em Vânia. O garoto abre os olhos devagar e diz baixinho:
 "Eu te amo pai"
"Eu também te amo filho, cuide bem da sua mãe"
O menino fecha os olhos, quando os abre, alguns segundos, depois seu pai não estava mais no quarto. Uma lágrima solitária sai do canto do olho do menino, após poucos minutos de reflexão, ele corre escadas a baixo, torcendo para ver seu pai sentado na poltrona como antigamente. Tarde demais, seu pai já tinha partido.
Alguns poucos minutos depois Régis chegava ao aeroporto para mais uma viajem, sua escala mostrava: Brasil-Portugal, Portugal-Alemanha, Alemanha-China, China-EUA. Só veria sua família depois de duas semanas no mínimo. Depois que começou a trabalhar nas linhas internacionais da empresa aérea - por mais que ele ganhasse mais do que nas linhas nacionais -, Régis se sentia mal, se sentia preso, se sentia morto.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

 Encontros culturais

1985, sexta-feira a tarde, Oscar toma banho. Se perfuma ainda de toalha na cintura. Penteia seus cabelos. Vai para o quarto, joga a toalha em cima da cama. Liga o toca-discos com o vinil "Songs of the Big Chair", está bem no começo da faixa B3. "Head Over Hills" começa a tomar conta do quarto, o volume é máximo. Poe uma camiseta estampada com a bandeira dos estados unidos. Veste a coeca rapidamente, por ser muito elástica e seu tecido muito fino, rasga. Ele tira a rasgada e troca, dessa vez cuidadosamente, por uma nova, cor de laranja. Veste, então, uma calça CLOCHARD, camisa-xadres, sapatos pretos de couro e um casaco grosso. Faz frio em Porto Alegre. Se olha no espelho. Ele está pronto.
     Sai do quarto, agora ao som de "Listen". Seus pais estão sentados na sala, ao lado da lareira, assistindo à televisão. Oscar pergunta:
" Ainda tem grapa aí pai ?"
"Tem sim guri. Tu vai beber aqui em casa ou vai pro bolicho ? "
" Só vou dar uma molhada no bico e vou passar na casa da Maria"
A mãe se intromete na conversa.
" Não acredito que tu vai atrás daquela guria. Eu sei que vocês são amigos a muito tempo, mas aquela japiraca é pior que a moça da novela "
" Que novela ?"
" Ti ti ti "
" Sei, é a nova novela né? Não sabia que vocês olhavam"
O pai então responde:
" Eu não olho nada disso guri, é tua mãe que olha. Faz dois favores pro teu véio e vai lá na cozinha pegar lenha pro fogo e um copo de  Jurupiga que eu trouxe de Rio Grande "
Depois de beber um copo de grapa e fazer os favores para seu pai - não nessa ordem, é claro -, ele se despede deles, volta para o quarto, desliga o toca-discos - que a tempo não estava tocando nenhuma música - e sai de casa. Agradece aos céus por morar perto da Avenida Protásio Alves e aborda um taxi que está passando por ela.
" Ali pra praça Menino Deus sabe? "
O taxista só mexe com a cabeça para frente e para trás. Aumenta o volume do rádio, Paralamas do Sucesso. E quando Oscar sai do taxi faz questão de ver o paralama do fusca que o trouxe até ali.
Enquanto atravessa a praça Oscar tenta formular um plano para não estragar a noite com Maria, mas só consegue pensar no refrão de "Head Over Hills". Ele toca a campainha e sente como se o mundo estivesse em câmera lenta quando Maria abre a porta. Vestido branco e longo repleto de bolinhas azuis que combinavam com os seus olhos, usava uma meia-calça escura, um casaco de pele de coelho que ia até seus joelhos, os cabelos arrumados, as unhas pintadas de um branco quase transparente e sapatinhos azuis de salto baixo.
Ele ficou paralisado e Maria perguntou:
" Eu estou bonita? "
Oscar ainda estonteado pela perfeição de Maria, para e presta atenção em um som que vem de dentro da casa. E então ela pergunta se ele conhecia "Tears for Fears". A noite então fica quente como nunca.

Bernardo Froener Castello

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